3. A MENSAGEM DE AMÓS

Chegamos hoje a última parte da série “Mais que um peão”. Amós profetizou em Israel num período de franco crescimento da nação. Os negócios “estavam em franca ascensão e as fronteiras se expandiam”.[1] O povo, em geral, era dominado por um otimismo contagiante. Neste cenário, a mensagem do profeta deve ter sido recebida por muitos como um absurdo, afinal de contas, a nação nunca esteve tão bem. O problema é que com o aumento das riquezas e do poder, nas quais as classes baixas não receberam a mínima participação, tinha surgido um marcante materialismo da parte da nobreza rica. Não “sentiam vergonha de espoliar os pobres, desprezando cinicamente os direitos dos que estavam abaixo deles na escala social”.[2] A injustiça grassava a sociedade, e o profeta de Deus denuncia estas situações de desigualdade.

A maneira como Amós inicia sua profecia é curiosa. Ele começa falando dos erros das outras nações. No primeiro capítulo do seu livro, apresenta sua denúncia contra as nações vizinhas de Israel. No capítulo 2, até Judá, terra de Amós, foi incluída na sentença de Deus (2:4-5). Até esta altura os ouvintes do profeta estavam tranquilos, imaginando que ele só até a terra de Israel para falar mal dos outros. Eles devem ter gostado de saber que seus inimigos seriam castigados. Todavia, de repente, Amós volta-se para Israel! Eles também seriam castigados (2:6). Mas o que estava acontecendo em Israel? Os quatro capítulos seguintes mostram os pecados de Israel (3-6). Seus delitos estavam principalmente ligados à violação da justiça. Nesta época não havia classe média, ou as pessoas eram muito ricas ou muito pobres. Os mais ricos oprimiam os pobres. Amós denuncia os seguintes pecados:

 

3.1 Venda dos pobres como escravos

São com estas palavras que Amós anuncia o recado de Deus para a nação de Israel: Assim diz o Senhor: Pelas três transgressões de Israel, sim, e pela quarta, não retirarei o castigo; pois vendem o justo por prata, e o necessitado, por um par de sandálias (2:6). Os pobres não conseguiam pagar suas contas e eram vendidos como escravos. O que se está em vista nesta denúncia, de acordo com Hubbard, é o abuso de poder, afinal de contas, os credores vendiam pessoas inocentes por somas de dinheiro (lit.: “por prata”), um crime acentuado, em que o que se devia era tão irrisório quanto um par de sandálias.[3] Storniolo, chega a chamar este fato de “escravidão por dívidas ridículas”.[4] Pode ser que os cidadãos mais pobres e honestos, para conseguirem manter suas necessidades básicas, precisaram tomar emprestados dos poderosos. Quando estes últimos iam cobrá-los, às vezes dívidas tão pequenas como o valor de um par de sandálias, em vez de dar mais tempo ao camponês pobre para que pudesse pagar sua dívida, os credores exigiam o pagamento imediato. Por não terem o dinheiro, a única saída do devedor era vender a si mesmo como escravo. Os cidadãos poderosos de Israel não tinham a menor compaixão dos pobres. Amós “defende o direito do pobre de acordo com o que é definido pelas tradições legais (Ex 21:2-11; Dt 15:12-19)”.[5]

 

3.2 Maus tratos aos pobres

O profeta continua sua denúncia dizendo que os poderosos esmagavam a cabeça dos pobres no pó da terra (Am 2:7). O que significa esta expressão? Pape afirma que diz respeito ao tamanho da cobiça dos poderosos, isto é, “os donos das grandes fazendas não queriam dar uma sequer fração de sua terra para os pobres usarem. Cobiçavam até o pó da terra”.[6] Contudo, Smith aponta que a possibilidade mais amplamente aceita entre os estudiosos é a que interpretam o texto de modo mais literal: os poderosos pisoteiam a cabeça dos pobres,[7] ou seja, temos aqui uma imagem de maus tratos mesmo. Além de agir sem compaixão eles utilizam de violência para com os pobres. No capítulo 4, Amós volta a trazer esta denúncia: esmagais os necessitados (v.1). Hubbbard, por sua vez, afirma que o versículo mostra que os poderosos eram cruéis, arrancavam a dignidade humana dos pobres, tratando-os como se fossem lixo.[8]

 

3.3 Vantagens financeiras ilícitas

O livro do profeta Amós ainda diz: Também se deitam sobre roupas empenhadas junto a qualquer altar e bebem o vinho exigido como multa no templo de seu Deus (Am 2:8). Nas suas festas, os ricos usavam roupas que haviam sido tomadas dos pobres como garantia de dívidas, mas que não era deles. Segundo as leis presentes no livro do Êxodo e Deuteronômio (Ex 22:26-27; Dt 24:12-13), um credor podia tomar do devedor uma peça de roupa como garantia do pagamento da dívida, mas esta deveria ser devolvida antes do anoitecer. Os poderosos estão fazendo mal uso desta lei para satisfazerem-se. Além disso, bebiam bebida ganha como multa. Alguns “acreditam que o vinho era usado como penhor ou entregue aos credores por aqueles que não tinham conseguido pagar seus tributos, dívidas ou impostos”.[9] Tal situação mostra o quanto os ricos e poderosos eram insensíveis. Eles se banqueteavam a custa da miséria de outros. Estavam se “enriquecendo por meio da exploração do povo e usando seus lucros ilícitos para pecar”.[10]

 

3.4 Ostentação dos ricos

Os ricos tinham casas de inverno e de verão, moravam em suntuosas mansões construídas com materiais caros, enquanto que os pobres não tinham nada (Am 3:15). Até a cama que os ricos dormiam era “cama de marfim” (6:4). Na região de Tecoa, terra natal do profeta, muita gente deitava no chão. Alguns possuíam cama primitiva ou rede. Todavia, na riquíssima capital de Israel, a classe dominante dormia em cama de marfim! Só o valor gasto com o marfim para fazer uma cama destas, pagaria um agricultor do sertão por um ano todo de trabalho![11] Além disto, os poderosos acabavam com os rebanhos do patrimônio nacional (6:4). Carne “bovina fresca e macia e cordeiro constituíam a dieta dos ricos”.[12] As festas diárias realizadas nos palacetes eram regadas a vinho (6:6), coisa que no sertão só era servida por ocasião de casamento ou funeral, e em quantidades mínimas. Enquanto isso os ricos se esbaldavam. Usavam, também, o melhor dos óleos (6:6). As pessoas passavam óleo na pele depois de se banharem. Era o perfume da época. Os tipos de óleo que usavam nestes banquetes eram os mais finos e caros que se podia comprar. Gastavam fortunas com os mais excelentes perfumes importados de países exóticos.[13] Por isso, Amós disse: … a casa grande será despedaçada, e a casa pequena, reduzida a fragmentos (6:11).

 

3.5 Falta de justiça nos tribunais

O capítulo 5 do livro de Amós denuncia que até os tribunais estavam corrompidos: aceitais suborno e negais o direito aos necessitados na porta (5:12). A porta era o lugar do julgamento, o tribunal. A justiça estava corrompida. Havia uma lei para o justo e uma lei para o pobre. Não havia esperança para o pobre de que o poder judiciário da época os ajudaria. Os ricos e poderosos da época utilizavam seu poder para comprar os juízes para “obter uma decisão favorável sobre um ato questionável ou ilegal”.[14]

Na boca do profeta Amós, os dias de injustiça estavam contados, pois Deus julgaria os opressores. Os juízes corruptos não escapariam. Amós fala sobre o “Dia do Senhor” (5:18). No Antigo Testamento, este “Dia do Senhor” é o tempo no qual Deus viria para julgar os inimigos do seu povo e instalar o seu reino na terra. Mesmo em meio as suas injustiças, os israelitas estavam se alimentando com a falsa esperança de que o Senhor viria para estar ao lado deles e derrotar os seus inimigos, as outras nações. Amós alerta-os: Será um dia de trevas e não de luz. Neste dia, segundo o profeta, Deus virá para fazer justiça de verdade. Nele, será contra o povo de Israel. Por isso a exortação: Prepara-te, ó Israel, para encontrares com o teu Deus (4:12). Além disso, Amós fala de uma época em que o tabernáculo de Davi seria levantado (Am 9:11). No capítulo 15 de Atos, Tiago fala da entrada dos gentios na igreja como sendo o cumprimento desta profecia (vv. 13-19). O povo de Israel, que deveria ser luz para as nações, falhou. Deus formou um povo dedicado ao seu nome. Com este novo povo Deus instalaria seu reino nesta terra, um reino em que impera a justiça.

 

CONCLUSÃO

 

            Este artigo apresentou de modo panorâmico, quem foi o profeta Amós, seu chamado e sua mensagem contra a injustiça. Trata-se de um profeta bi-vocacionado que dirigiu uma palavra dura contra o reino do norte, Israel. Os ricos e poderosos estavam explorando o pobre, e Deus enviou o profeta para prometer aos mesmos que eles seriam castigados. Deus levantaria uma nação para oprimir os opressores do pobre (6:14), que seriam levados para o cativeiro com ganchos e anzóis (4:3). Dois anos depois das suas profecias um terremoto destruiu muito dos palácios em Samaria (1:1). E, finalmente, algumas décadas depois, no ano 722 a.C. as profecias de Amós se cumpriram. A Assíria acabou com o reino do Norte, Israel, e os poderosos de Samaria foram levados cativos. Deus é “paciente e gracioso, mas sua justiça e retidão não permitirão que o pecado avance impune indefinidamente”.[15]

Pr. Eleilton de Souza Freitas.


[1] Wilkinson; Boa, 2000, p. 266.

[2] Archer Jr., 2012, p. 300.

[3] Hubbard, 1996, p. 160.

[4] Balancin; Storniolo, 1991, p. 19.

[5] Smith, 2008, p. 130.

[6] Pape, 1982, p. 39.

[7] Smith, 2008, p. 130-131.

[8] Hubbard, 1996, p. 160.

[9] Smith, 2008, p. 135.

[10] Wiersbe, 2006, p. 431.

[11] Pape, 1982, p. 48.

[12] Smith, 2008, p. 296.

[13] Pape, 1982, p. 48.

[14] Smith, 2008, p. 247.

[15] Wilkinson; Boa, 2000, p. 267.