O que é inferno? Pegue o dicionário e você terá, dentre outras, pelo menos estas duas respostas: 1) De acordo com a mitologia, habitação dos mortos; 2) De acordo com a religião, lugar destinado ao castigo eterno da alma dos pecadores, por oposição ao céu. Além destes, segundo Champlin, a palavra “inferno” é de origem latina (infernus) e significa “o que está embaixo”, “inferior”. De acordo com as mitologias gregas e romanas, o inferno diz respeito às prisões subterrâneas onde as almas ficam encarceradas depois da morte física, sendo atormentadas. Pois bem, será que algum destes entendimentos é o bíblico, sobre o inferno? Quando os tradutores colocaram esta palavra nas Bíblias em português, podiam até estar com este conceito em mente, mas segundo o que cremos, ele não pode se sustentar, à luz da exegese bíblica.
Apesar de esta palavra aparecer em nossas Bíblias, em português, esta concepção não é a bíblica, nem judaica nem cristã. Não existe, no presente, nenhum lugar chamado inferno nos termos que nos são apresentados, isto é, como lugar de tortura, onde os ímpios estão sendo torturados. Segundo o nosso entendimento, em linhas gerais, as palavras “inferno” que aparecem na Bíblia tem dois sentidos: Em primeiro lugar refere-se à sepultura, que é destino de todos (justos e injustos); e, em segundo lugar, ao lugar apresentado na Bíblia como sendo o destino final dos ímpios, onde estes serão jogados, depois do juízo final, e aniquilados, isto é, destruídos completamente. Vejamos, então, estes dois conceitos:

Inferno como sepultura

A Bíblia é clara em dizer que a sepultura – o pó da terra – é o lugar para onde vão todos os mortos (Ec 3:19-20; Sl 104:19; Jó 17:1; 30:23; 34:15; Jo 5:28). Biblicamente, este é o chamado estado intermediário. Neste estado não planejam (Sl 146:4); não têm consciência (Ec 9:5-6); não podem louvar a Deus (Sl 6:5). Só sairão dali por ocasião da ressurreição do último dia (Jo 5:28). Observe que no evangelho, quando Jesus ressuscitou Lázaro, este não foi chamado a descer do céu. A ordem de Jesus foi direcionada ao sepulcro onde este estava (Jo 11:43-44).
A palavra hebraica sheol e a palavra grega correspondente (gr. hades), tra-duzidas em nossas Bíblias por “inferno”, dizem respeito a sepultura ou cova (cf. Dt 32:22; Sl 9:17; 116:3; Pv 5:5; 9:18; Os 13:14; Mt 11:23; 16:18; Lc 10:15; 16:25). Segundo a Bíblia, todos vão para o sheol ou hades, e não somente os injustos (Ec 6:6; Jó 3:17-19). Até Jesus o foi. O livro de Atos afirma que o corpo de Jesus foi para o hades (At 2:27,31). Obviamente que o sentido é sepultura!

Inferno como destino final dos ímpios

Com relação ao futuro dos ímpios, depois do juízo final, Jesus falou mesmo sobre um lugar destinado àqueles que serão rejeitados no julgamento. Para este lugar só vão os ímpios. Quando falou sobre ele, Jesus usou o termo grego Geena, traduzido em nossas Bíblias também por “inferno”. Geena é uma referência ao “Vale de Hinom” (Js 15:8), um estreito vale que margeava Jerusalém pelo sul. Neste vale os israelitas queimaram, num período de sua história, crianças a Moloque (2 Rs 23:10; 2 Cr 28:3; 33:6; Jr 7:31-32). Por isso este vale passou a ser símbolo da condenação final. Os judeus usaram este nome para denotar o lugar de punição futura. Jesus também faz uso deste termo neste sentido (cf. Mt 5:22, 29-30; 10:28; 18:9; 23:15, 33; Mc 9:43, 45, 47; Lc 12:5). O Geena é o local que melhor corresponde ao imaginário popular sobre o inferno, pois, aparentemente, indica um local exclusivamente preparado para o castigo de pessoas condenadas no juízo final (cf. Mt 25:13, 33; 25:41, 46). Deus trará este juízo com fogo (Sf 1:14-18; Ml 4:1; Mt 3:12). Ele está, em sua maioria, associado com fogo (cf. Mt 5:22; 13:42,50; 18:8; Mc 9:43,47; Mt 25:41).
Este fogo, por sua vez, é chamado de “eterno”. No Novo Testamento temos tanto a expressão “Geena de fogo”, quanto “fogo eterno”. Daí surge os questiona-mentos: as pessoas enviadas para o Geena (inferno), depois do juízo final, serão atormentadas e torturadas de modo consciente para todo o sempre, ou serão aniquiladas, isto é, deixarão de existir, serão completamente destruídas? Segundo acreditamos, os ímpios serão aniquilados ao invés de ficarem sendo atormentados para todo o sempre. Naum escreveu sobre uma época em que os ímpios seriam completamente destruídos (1:15). O Salmo 37:10, neste sentido, também diz: … o ímpio não mais existirá; olharás para onde ele mora, mas ele não estará ali. O Senhor extinguirá a maldade completamente: … não ficará nem raiz nem ramo (Ml 4:1). A destruição completa de todo mal é comparada ao desaparecimento da fumaça: Mas os ímpios perecerão (…) desaparecerão, sim, como fumaça se desfarão (Sl 37:20). O diabo também será destruído, pois Jesus veio a este mundo também com esse objetivo (Hb 2:14).
John Stott afirma que o vocabulário de destruição é usado frequentemente em relação ao destino final dos ímpios. Jesus fala sobre temer o que pode “destruir” a alma no Geena (Mt 10:28). Em vários outros textos bíblicos temos a ideia de destruição (1 Ts 5:2-3; 2 Ts 1:9; 2 Pd 3:7; Tg 4:12), de os ímpios sendo “consumidos” ou devorados (Hb 10:25-27; Ap 20:9), de “perecer” (Jo 3:16; 10:28; 17:12; Rm 2:12; 2 Pd 3:9). Segundo Stott, se os crentes são aqueles que estão sendo salvos (hoi sõzomenoi), os ímpios são aqueles que estão perecendo (hoi apollumenoi). Veja os textos (1 Co 1:18; 2 Co 2:15; 4:3; 2 Ts 2:10). É difícil imaginarmos um processo perpetuamente inclusivo de perecer. Assim como os salvos serão definitivamente salvos, os que estão perecendo perecerão por com-pleto!
Quanto ao “fogo eterno” e ao “castigo eterno”, citados por Jesus, preci-samos levar em conta, também, o uso da palavra eterno, que é a tradução da palavra grega aiônios. Esse termo, muitas vezes, é usado não para se referir à duração de algo, mas aos seus resultados permanentes. Em Judas 7, temos um exemplo comprobatório dessa afirmação: Sodoma e Gomorra (…) foram postas como exemplo, sofrendo a pena do fogo eterno. Neste texto, “eterno” não se refere à duração; afinal, Sodoma e Gomorra não estão queimando até os dias de hoje. O fogo foi eterno em seus resultados ou efeitos, isto é, as cidades foram totalmente queimadas. Ao mencionar o fogo eterno, Jesus se refere à destruição eterna dos perdidos, não ao tormento eterno destes. O mesmo vale para a referência que ele faz a “castigo eterno” (Mt 25:46). Jesus está se referindo a uma punição de efeito permanente.

Que o Senhor nos livre disso.

Só a Ele a glória!

BIBLIOGRAFIA

BACCHIOCCHI, Samuele. Imortalidade ou Ressurreição?. Engenheiro Coelho: Unas-press, 2007.

CHAMPLIN, Russell Norman. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia. 5 Ed., São Paulo: Hagnos, 2001.

EDWARDS, David L.; STOTT, John. Evangelical essentials: a liberal-evangelical dia-logue, London: Hodder & Stoughton, 1988.

ROBINSON, Edward. Léxico Grego do Novo Testamento. Tradução: Paulo Sérgio Gomes. Rio de Janeiro: CPAD, 2012.

1 Busca pelo verbete Inferno (In) Dicionário da Língua Portuguesa Priberam. Disponível em: http://www.priberam.pt/dlpo/default.aspx?pal=inferno > Acesso em 25/06/2013.
2 Champlin (2001:323).
3 Robinson (2012:173).
4 Para mais detalhes: Edwards; Stott (1988:312-329).
5 Idem.
6 Bacchiocchi (2007:199).